ColunistasDaniel AlipertiPower News

Entendendo e ajustando sua suspensão

Os benefícios de uma suspensão para aumentar o controle, eficiência, conforto e segurança são comprovados. Basta dizer que o último campeão Olímpico de XC venceu a prova a bordo de um modelo full suspension.

O dilema entre preço, peso e conforto, seja entre um modelo hardtail (MTB com traseira rígida) ou um full suspension (MTB com suspensão nas duas rodas) é assunto para debates animados na maioria dos grupos de praticantes da modalidade. Uma coisa é certa: desde 1989, quando a RockShox lançou o primeiro garfo com suspensão o mountain bike evoluiu.

Mesmo depois de 25 anos ainda tem muita gente usando as suspensões de forma incorreta por não conhecer essa ferramenta tão importante. Isso me motivou a escrever sobre os princípios básicos de um sistema de suspensão, suas partes e o seu uso correto. Assim espero poder contribuir para que mais ciclistas tirem o máximo proveito do seu equipamento, melhorando sua experiência sobre a bike.

PRINCÍPIO FUNDAMENTAL
O objetivo de um sistema de suspensão é isolar o ciclista das irregularidades do terreno através de dispositivos (recursos mecânicos) que absorvem a energia dos impactos. A gravidade exige recursos especiais para manter a eficiência de pedalada e o peso dos componentes dentro de um limite aceitável para o fim desejado, garantindo um amortecimento de qualidade.

DIFERENÇA ENTRE MOLA E AMORTECEDOR
Muita gente confunde os componentes da suspensão, chamando tudo de amortecedor, mola, ou algumas vezes de suspensão mesmo. É importante entender o que faz cada coisa. A mola suspende o ciclista e boa parte da bike, absorvendo a energia do impacto ao se deformar e voltando ao seu estado original após o evento.

Garfo simples com mola mas sem amortecimento hidráulico.

O amortecedor é o dispositivo que controla o movimento da mola. Imagine uma porta com mola, mas sem aquele pequeno amortecedor, após ser aberta e solta ao invés de voltar para o batente suavemente bate nele desagradavelmente.

Pense também naquele carro velho que vemos na rua com as rodas pulando freneticamente para cima e para baixo sem controle algum, ao fazer uma curva com um pouco mais de velocidade provavelmente irá perder o controle.

Bem, numa MTB econômica com suspensão básica sem amortecimento hidráulico, podemos experimentar as duas coisas ao mesmo tempo: o retorno ao batente desagradável e a perda de controle em velocidades acima de 25 km/h, situação que ocorre facilmente em qualquer caminho de terra ou trilha de verdade.

PARTES DA SUSPENSÃO DIANTEIRA
Na maioria dos casos, a suspensão dianteira é feita através de um garfo telescópico. Suas partes são:

• Forquilha: composta de espiga (tubo que vai dentro do quadro), coroa (aquela peça mais robusta que segura as pernas do garfo) e hastes (tubos telescópicos que entram nas canelas). Ela pode ser integrada ou ter peças separadas. A grande maioria das bikes atuais de XC, Trail e Enduro têm forquilhas integradas.

• Canelas: monobloco ou separadas, são as partes de baixo das pernas do garfo em modelos tradicionais, onde é fixada a roda. Há também os garfos invertidos (Lefty, da Cannondale, e RockShox RS-1, por exemplo), onde as hastes telescópicas sustentam a roda, e todo o resto do conjunto fica contido numa forquilha superdimensionada.

PARTES COMUNS NA DIANTEIRA E NA TRASEIRA

O Lefty da Cannondale
com construção invertida e apenas uma perna.

• Molas: fazem o papel de suspender o ciclista e o conjunto do equipamento que trabalha em prol disto. Podem ser pneumáticas (a ar), metálicas (tradicional, helicoidal) ou elastoméricas (em uretano ou material similar).
• Amortecedor: controla o movimento da mola. O mais comum é o hidráulico, onde algum tipo de válvula trabalha com a resistência do óleo, regulando sua vazão.

TRASEIRA (conjunto articulado que controla o movimento da roda) – A traseira sustenta mais peso, tem que resistir à tração imposta pela transmissão e precisa manter a roda em linha com o restante do conjunto. Por isso sua estrutura é mais reforçada e complexa.

Típico amortecedor de ar/óleo e suas partes.

• Balança: pode ser multipivotada e, assim, formada por rabeiras inferiores (chain stays) e superiores (seatstays) separadas e conectadas através de pivôs. Estes com rolamentos selados, buchas ou pivô único, onde um triângulo traseiro integral é conectado ao dianteiro por intermédio de um pivô principal. Existem outras variações, mas o intuito deste post não é dissecar todos os sistemas existentes.
• Braço oscilante ou braço relê (link): serve como um multiplicador da alavanca que o conjunto balança-roda exerce sobre o amortecedor.

Sistema de suspensão multi-pino e braço oscilante principal (Shock Link)

• Amortecedor (“shock”): em geral contém a mola e o dispositivo de amortecimento em uma só peça.

RECURSOS DE AJUSTE
São três os recursos mais comuns de ajuste: dureza da mola, controle de compressão e controle de retorno.

A dureza da mola é diretamente proporcional à massa a ser suspensa, tudo que está acima das rodas, em ordem de marcha. Hoje a maioria das bikes mais sofisticadas para XC e Trail é equipada com mola pneumática, ou seja ar comprimido. Elas custam mais para fabricar, mas pesam muito menos e facilitam muito o ajuste.
Atualmente as molas pneumáticas comportam-se de maneira semelhante às helicoidais, trabalham de forma linear sem aumentar a resistência do início ao fim do curso. Isso proporciona uma melhor leitura das pequenas irregularidades do terreno e mais conforto.

Botão de ajuste de mola helicoidal em um garfo básico.

O controle de compressão, conforme o próprio nome indica, regula a velocidade de afundamento do garfo ou do amortecedor traseiro. O mais comumente usado é o de baixa velocidade que controla os movimentos menos abruptos da roda ou da massa suspensa. Ele também é chamado popularmente de trava.

E como praticamente tudo que vai volta, o ajuste de retorno gerencia a extensão da mola após receber o impacto, voltando ao seu estado original. Como no ajuste de compressão, o mais comum é o que controla o retorno de baixa a média velocidade.

RECURSOS ESPECIAIS DE CONTROLE DA COMPRESSÃO
Os dispositivos que fornecem uma plataforma de resistência à pedalada criando resistência à compressão por parte da massa suspensa (ciclista e equipamento acima das rodas), são uma solução para evitar o afundamento das suspensões quando o ciclista imprime força nos pedais sentado ou não no selim.


Os recursos especiais de controle da compressão – Brain da Specialized.

Eles são uma alternativa à trava, permanecendo ativos sem a necessidade de acionamento manual. Em determinadas situações, como competições, ciclistas avessos a distrações durante a pedalada e até mesmo aqueles que preferem menor poluição visual na região do guidão, é um opcional indispensável e bem-vindo.
No nosso mercado, os sistemas mais comuns são: Brain (Specialized), ProPedal (Fox Shox), Motion Control (RockShox) e eLECT (Magura).

Propedal da FoxShox.

Além destes recursos, você provavelmente leu ou ouviu falar de outros ajustes como controle de compressão de alta velocidade, controle de retorno de alta velocidade, ajuste do volume da câmara de ar da mola pneumática e ajuste do volume da câmara de nitrogênio. Mas isso é assunto para outro artigo, mais ligado às bikes de curso longo, acima dos 160 mm.

 

AJUSTANDO A DUREZA DA MOLA
Para encontrar a dureza ideal da mola, é preciso fazer regular o SAG, termo em inglês que significa afundamento. O caminho mais curto é saber o ponto de partida da pressão que o amortecedor utiliza. Vista-se como se fosse pedalar, incluindo garrafas ou mochila de hidratação cheias, comida, ferramentas, bomba etc. A ideia é colocar todo o peso que a bike tem de suspender quando você pedala. Numa full, comece pelo amortecedor traseiro.

1. Desative todos os recursos hidráulicos (compressão e retorno), girando o botão no sentido anti-horário até parar.

2. Encoste a ponta da manopla ou bar end da bike numa parede.

Ajustando o Sag: Com todo o seu equipameno, garrafas cheias e indispensáveis nos bolsos, adote sua postura de condução. Apoie seu cotovelo ou joelho na parede em chão nivelado, com pneus calibrados e deixe seu peso afundar as suspensões.

3. Mantenha a bike paralela à parede e sente-se nela, com todo o equipamento de pedalada. Adote a posição de pilotagem, com as mãos no guidão e pés encaixados ou apoiados sobre os pedais. Para fazer isso sem ajuda, encoste o cotovelo na parede.

4. Empurre os indicadores de curso utilizados contra a vedação do amortecedor ou garfo.

5. Fique sobre a bike de 10 a 15 segundos. Saia da bike sem comprimir as suspensões, tirando um pé do pedal, estendendo a perna e deitando a bike lentamente até tocar o pé no chão.

6. Anote as medidas encontradas e faça algumas contas. Para Cross Country e Maratona considere de 15% a 20% de afundamento.
Exemplo: curso de 100 mm, afundamento entre 15 e 20 mm.
Para Trail de 20 a 25% de afundamento. Quanto maior o SAG, maior o conforto. Ajuste apropriadamente conforme a preferência e pista.
(foto do indicador; foto de uma haste de RockShox que mostra o SAG)

Não comprima as suspensões ao descer da bike.

Obs.: se você não sabe o curso veja as especificações técnicas; senão, meça a suspensão estendida, esvazie toda a câmara de ar e meça novamente o deslocamento, este é o curso da suspensão. Baseado nele faça o cálculo do SAG.

Importante: a altura de selim afeta a leitura do SAG porque altera a alavanca da massa suspensa sobre o sistema de suspensão e a distribuição de peso. Meça com o selim na posição estendida de pedalada e não a mais baixa no caso de uso do canote telescópico (Dropper Post).

 

 

Sobre a bomba para suspensões e sua leitura, a pressão que você lê ao finalizar a calibragem é a que está no amortecedor, independente do ar que sai da mangueira ao ser desacoplada da válvula do amortecedor ou garfo. Quando você acopla a mangueira da bomba novamente no amortecedor cerca de 10 libras são utilizadas para preencher o espaço entre a ponta da mangueira e o manômetro, e isso pode te confundir durante os ajustes.

Em bikes full suspension o objetivo é certo equilíbrio entre a frente e a traseira, ou seja, elas têm de afundar por igual ou muito parecidas. Para manter a frente da bike sob controle nas curvas em descida e sob frenagens bruscas (“nose dive”), ajuste a pressão para menos SAG no garfo.

Todos os procedimentos relatados são um ótimo ponto de partida, mas a perfeição só se atinge com o uso e gerenciamento do comportamento das suspensões. Se o indicador de curso não estiver indo até o fim em obstáculos que deveriam usar todo o curso, é porque há espaço para revisar a calibragem.

AUTOSAG – A Specialized possui uma tecnologia que ajuda no ajuste inicial do SAG, denominada Autosag. Se a sua bike veio equipada com ela, basta pressurizar a válvula vermelha (Fox) ou Champagne (RockShox) com três vezes o peso do ciclista com os equipamentos, sentar-se sobre a bike e pressionar a válvula uma só vez até parar de sair ar. Desça da bike e pressione o selim de três a quatro vezes para baixo, para comprimir e permitindo estender o amortecedor e pronto. O ponto de partida está regulado.

Recurso Auto Sag de ajuste de mola. Indicadores de Sag gravado nas hastes facilitam o trabalho.

AJUSTE DO RETORNO

Os ajustes geralmente funcionam como uma torneira – Girando no sentido horário deixam os movimentos mais lentos, e vice versa.

Após completar o ajuste de dureza da mola é hora de regular a velocidade do retorno – extensão – dos amortecedores, que é diretamente proporcional à dureza: quanto mais “dura” a mola, maior resistência necessária para controlar o seu movimento.

De uma maneira geral a velocidade deve ficar no meio, entre a regulagem mais lenta e a mais rápida. Para sentir o ajuste, localize um botão vermelho e feche todo o circuito, girando o botão no sentido horário até parar e vá soltando clique a clique e testando, na mão mesmo, antes de rodar com a bike.

No momento que encontrar a regulagem que deixe a velocidade nem muito lenta e nem rápida, anote os cliques e teste na trilha fechando ou abrindo o circuito e procurando perceber as diferenças. Um retorno muito lento evita que a roda “leia” o terreno, especialmente em solavancos sucessivos.

Um retorno muito rápido irá lançar a frente da bike com mais velocidade para cima em decolagens, já em descidas muito rápidas e irregulares causará perda de aderência. Isso porque a roda irá quicar sobre as depressões e saliências, ao invés de acompanhá-las. Lembra do exemplo do carro velho sem amortecedor com as rodas pulando loucamente para cima e para baixo sem controle algum?

AJUSTE DA COMPRESSÃO
Na grande maioria das bikes para XC e Trail o ajuste de compressão disponível é o de baixa velocidade. Não do conjunto bike-ciclista, mas do êmbolo ou hastes telescópicas. Este ajuste visa somente controlar o primeiro terço do curso, preservando assim a estabilidade em entradas de curva, freadas bruscas e retomadas.

Em alguns modelos ele é projetado para anular o movimento da suspensão diante de uma carga preestabelecida como por exemplo todo peso que está acima das rodas. Falando em termos mais populares, a tão querida e solicitada trava! O ajuste é feito através de um botão convencionado na cor azul, salvo raras exceções. Ele pode ser contínuo ou ter cliques. Ele funciona como no retorno, girando o botão no sentido horário fecha-se a passagem de óleo pelo circuito aumentando a resistência ao movimento até travar.

Controle remoto no guidão é muito conveniente.

Mas diferente do retorno, ele não é diretamente proporcional a outros ajustes, e sim algo regido por preferência pessoal, tipo de pedalada ou terreno a ser encarado. Para maior rendimento recomenda-se utilizar a trava em terrenos não acidentados, subidas, ou quando estiver pedalando em pé.

Existem acionadores remotos por controles mecânicos ou eletrônicos (Magura) para o garfo, amortecedor ou os dois ao mesmo tempo. Para as bikes equipadas com ajustes especiais, automáticos ou semiautomáticos, é só ajustar no modo desejado, pedalar e focar na trilha. Nos modelos com ajuste manual é necessário ir ajustando conforme a situação e o efeito desejado.

DICA VALIOSA PARA QUEM TEM UMA FULL SUSPENSION
Regule suas suspensões com as dicas desta matéria e use-as para descansar suas pernas e o corpo, ou seja, permaneça mais tempo sobre o selim saindo dele somente quando o obstáculo ou a irregularidade superar a capacidade da suspensão absorvê-la.

Isso demanda prática e um leve reajuste na postura de pilotagem, mas com algum tempo de dedicação você irá terminar seus pedais, treinos ou competições menos cansado. Experimente e comprove!

 

Share:

Deixar uma resposta