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Cicloviagem de MTB pela Itália

A minha intenção em escrever esse texto é documentar a viagem feita com o meu irmão e passar informações e dicas para quem quer fazer uma viagem parecida. Eu tinha vontade de fazer uma viagem de bicicleta internacional, no mesmo formato das que faço aqui no Brasil, indo de uma cidade para a outra, dormindo em pousadas e carregando o mínimo de bagagem possível. Sinceramente a maior vontade era fazer uma viagem pela Suíça. Mas devido aos preços proibitivos desse país, optei por fazer uma viagem à Itália, outro país com famosas montanhas conhecidas por causa do Giro d’ Italia e com valores mais amigáveis.

As bicicletas escolhidas foram mountain bikes hardtails com pneus mistos, pois giramos em estradas de asfalto e de terra.


As embalamos em caixas de papelão que foram deixadas no aeroporto de Milão. De Milão pegamos um trem à cidade de Gemona del Friuli, de onde saímos para a primeira etapa, onde subimos o Zoncolan e chegamos à cidade de Auronzo di Cadore.

A segunda etapa foi um circuito de mountain bike sem precisar carregar as bagagens, que ficaram no hotel. Fizemos uma volta no Tre Cime di Lavaredo, passando pelo Lago de Misurina. Em Auronzo podemos ver faixas do Campeonato Mundial de XCM que irá acontecer nessa cidade em Setembro.

A terceira etapa foi até a cidade de Caprile, passando pelo Passo Giau.


Ai o meu irmão passou o primeiro “veneno” por causa do frio, pois estavam 7 graus com uma chuva fraca. Ele já tinha experiências internacionais com viagens de bicicleta nesse formato, o que o possibilitou viajar somente com uma mochila de 9 litros e com uma bolsa presa ao quadro, onde ele carregava um tênis. Ficando bem leve e confortável para pedalar, mas um pouco arriscado, pois ele tinha pouca roupa para enfrentar uma situação de mais frio. Só para explicar um pouco mais, a única roupa de frio que ele levou foi uma jaqueta Mantelina. Sendo que essa jaqueta também era usada quando ele não estava pedalando. Eu fui um pouco mais carregado, com uma mochila de 12 litros e uma bolsa atrás do selim. Carreguei uma jaqueta mais quente, para ficar a noite quando não estava pedalando, uma segunda camisa de ciclismo para trocar em cima dos passos, botinhas e luvas a prova d’água.

A quarta etapa foi até Campitello. Uma cidade a 2 km de Canazei, que mantém o seu estilo tradicional e tem opções mais baratas de hotéis e restaurantes. Nessa etapa passamos por um dos pontos mais esperados da viagem, o Serrai di Sottoguda. Uma estrada que passa sob um cânion formado por um rio, que te transporta para um cenário de conto de fadas. Realmente emocionante.

Depois disso passamos por Cortina d’Ampezzo e chegamos à Campitello. Deixamos as bagagens no hotel e saímos para fazer o Sella Ronda. Um circuito de ciclismo que passa por 4 passos. O Pordoi, Campolongo, Gardena e Sella. O que me chamou a atenção nesse circuito, além da beleza, foi que você vê os ciclistas escalando os passos sorrindo. E quando é a sua vez de subir, você repara que também está sorrindo, rendendo um “salve” para os ciclistas que cruzam. Um gesto internacional do ciclismo.

Paramos no Hotel La Perla na cidade de Corvara, onde existe um lounge com alguns modelos de bicicletas da marca Pinarello. Lá podemos ver a bicicleta de pista usada por Miguel Indurain para bater o recorde da hora em 1994 e também a bicicleta usada por Chris Froome para vencer o Giro d’ Italia 2018.

A quinta etapa foi o circuito feminino (60km com 3200m de acumulado) do Sella Ronda Hero. Uma maratona de MTB que acontece todos os anos largando da cidade de Selva di Val Gardena e que em 2015 valeu como o campeonato mundial de XCM. Com certeza esse foi o mountain bike mais chique que já fiz em toda a minha vida.

A sexta etapa foi outro circuito de MTB, dessa vez em volta do maciço de Sassolungo. Esse circuito eu encontrei no site Wikiloc. Subimos o Passo Duron e conhecemos outros lugares muito legais, mas a parte ruim é que passamos por trilhas de Enduro e acabamos tendo que empurrar a bicicleta em algumas partes.

A propósito, eu sai do Brasil com todas as etapas já traçadas, para serem seguidas através de um GPS. Tracei esses caminhos no Google Maps, optando pelas estradas menos movimentadas, chamadas de Strada Regionale (SR) e Strada Provinciale (SP). E evitando as Strada Statale (SS), maiores e mais movimentadas. A sexta etapa deixamos Campitello, passamos pelos passos Tre Croci, Costalunga e Nigra e chegamos a Bolzano: “A cidade da bicicleta”. Esse nome dado por eles mesmos. Essa cidade conta com um enorme complexo de ciclovias que chegam a ficarem congestionadas por conta da quantidade de ciclistas. Seguindo pegamos a incrível ciclovia do Rio Adige. Uma ciclovia de aproximadamente 300 km beirando o Rio Adige e plantações de maçãs.

Passamos a cidade de Merano e paramos na também incrível Laas. Uma cidade já na região do Sudtirol. Para a minha surpresa, ai as minhas aulas de italiano não me ajudavam muito, pois o idioma local é o alemão e muitos habitantes falam o italiano com a mesma dificuldade que eu falava. Apesar de ser na Itália, essa região apresenta a cultura germânica, bem diferente da italiana.


Saindo da cidade de Laas, fizemos uma outra das atrações principais da viagem, o Stelvio. Um passo com 2757m de altitude. Esse foi o Cima Coppi da nossa viagem.

Do topo do passo, depois de trocar a camisa molhada e comer no “rifugio”, descemos por trilhas, passando pelo Lago de Cancano e pela Torri di Fraele, chegando à cidade de Bormio. O ponto negativo dessa etapa foi a enorme quantidade de sachês de gel vazios deixados pelos ciclistas, provando que idiotas não são exclusividade do Brasil.

Na oitava etapa conhecemos o também mítico Passo di Gavia. Sinceramente mais legal do que o Stelvio, devido às estradas mais finas, ser menos movimentado e ter uma parte em altiplano muito bonita, com um monumento e um lago com água de desgelo.

Nesse dia também subimos o Passo del Tonale, passamos por Val di Sole e chegamos em Madonna di Campiglio.

A nona etapa fizemos uma parte do Dolomit Brenta Bike Expert. Um circuito de MTB com 140km de extensão em volta do maciço de Brenta. (Arquivo GPX em www.dolomitibrentabike.it). Já no fim desse dia, por conta de uma hipoglicemia, acabei esquecendo a máquina fotográfica em um “rifugio” que passamos. Nos obrigando a voltar quilômetros morro a cima e depois fomos pegos por uma chuva. Esse foi o pior “veneno” da viagem, pois já molhados, precisamos parar em um pequeno coberto por causa da queda de granizo e passamos muito frio. Nesse dia acabamos dormindo na cidade de Ponte Arche. A dica é tentar parar de pedalar antes das 4 ou 5 horas, porque em Julho as chuvas normalmente são no final do dia. Viajamos em Julho por causa das férias do meu trabalho e acabamos percebendo que essa é a melhor época para fazer uma viagem de bicicleta na Europa. Apesar de ser a alta temporada, tudo estar mais cheio e caro, o clima compensa isso. Pois é a época mais quente, não precisando carregar muita roupa. Em Julho chove pouco, comparado com Maio e Junho. Basta assistir o Giro d’Italia e ver quantas etapas são feitas embaixo de chuva.

A décima etapa foi bem curta entre Ponte Arche e Rovereto, pois estávamos precisando de um descanso. A etapa onze foi muito interessante, pois passamos na Strada Degli Eroi. Uma estrada militar da primeira guerra mundial, a beira de penhascos e com várias passagens em túneis cavados na pedra. Chegamos e nos instalamos no refúgio de alta montanha Gen. Papa. Nesse mesmo dia fizemos a Strada Delle 52 Gallerie. Outra estrada militar, essa vetada a bicicletas, com 52 túneis cavados na pedra.

A etapa doze, saímos do “rifugio” que dormimos e descemos pela Strada Degli Scarrubi, subimos o Monte Baldo por uma estrada de terra e chegamos em alto estilo, por trilhas, em Riva del Garda.

A etapa treze foi bem cheia, pois íamos fazer no mesmo dia, três pontos principais escolhidos para a viagem. A Strada del Ponale, a Strada della Forra (SP38) e o Passo Tremalzo. Uma passagem por montanha feita em estrada de terra, muito empenhativa e legal. No final desse dia chegamos a Anfo, uma pequena cidade a margem do Lago de Idro que nem a maioria dos italianos conhecia.

Dessa cidade partimos para a etapa quatorze. Uma etapa mista, feita parte em terra e parte em asfalto. Nesse dia passamos na Anfo Ridge Road e na SP345, chegando na cidade de Breno.

A etapa quinze foi feita entre Breno e San Pellegrino Terme. Nessa etapa passamos no ponto turístico Via Mala. No final desse dia eu e o meu irmão nos conversamos e decidimos abortar a última etapa que seria feita até a cidade de Lecco, pois estávamos adiantados no cronograma e com Euros suficientes para fazer três etapas na Suíça.

Pegamos um ônibus para Bergamo e um trem para Airolo. Essa cidade já na Suíça fica na região de Ticino, porém tem o italiano como língua principal. Fomos para Airolo por causa do Passo San Gottardo. Uma estrada vetada aos carros e construída com paralelepípedos em forma de arco. Nessa etapa, sem querer fomos parar no meio do Granfondo San Gottardo. Uma competição de ciclismo com centenas de participantes e com parte do circuito que tínhamos programados para aquele dia. Subimos o Passo San Gottardo e o Furkapass em meio a essa competição e descemos para a cidade de Fiesch.

Na tarde desse dia subimos a 2927m para conhecer o Glacial Aletsch, o maior dos Alpes. Esse não foi considerado o Cima Coppi da viagem porque subimos de teleférico.

No outro dia saímos de Fiesch e na hora do almoço já estávamos em Zermatt. Uma das cidades mais chiques, interessantes e caras que eu já estive. Esse trajeto é feito em um caminho próprio para mountain bike. Passando por ciclovias, single tracks e pequenos vilarejos entre as duas cidades. Para economizar, compramos comidas prontas disponíveis no supermercado da cidade e comemos em uma praça.

A última etapa da viagem foi um MTB por estradas aos pés do Matterhorn (a montanha da embalagem do chocolate) e depois descemos para Brig onde prendemos um trem para Milão, cidade de partida do voo de volta para São Paulo.

Em Milão o que me chamou a atenção foi a grande quantidade de meninas pedalando de saia no calor da cidade, que conta com uma boa rede de ciclovias.

DICAS

O nosso sport drink preferido da viagem era suco integral de maçã, sempre disponível e barato, uma pedrinha de sal grosso também sempre disponível nos tradicionais moedores de sal dos restaurantes e água da fontana. (fontes de água mineral encontradas em todas as cidades)

Pizzocheri – Macarrão tradicional da região de Valtellina, feito de trigo sarraceno, com queijo, batata e verdura. O combustível perfeito para quem vai continuar a pedalar.

Para a nossa surpresa, não foi cobrado para transportar as bicicletas nos aviões. Tanto na ida quanto na volta. Para quem pretende viajar com a própria bicicleta, não deixe de levar junto as notas da bicicleta e peças de “upgrade”, pois a Polícia Federal está parando todas as pessoas que transportam bicicletas.

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